Projeto desenvolvimento, responda nossa pesquisa
Localizada a apenas 4 km do centro de Jaboticatubas, na região metropolitana de Belo Horizonte, está uma comunidade marcada pela força da ancestralidade e pela resistência cultural: o Quilombo do Mato do Tição. Conhecido também como Matição, esse território tradicional é lar de histórias potentes e de uma comunidade que mantém viva sua identidade por meio de festas, saberes e um modo muito particular de viver a infância.
O nome vem de uma prática ancestral: nas noites frias, os negros acendiam tições (pedaços de madeira em brasa) para iluminar os caminhos e se aquecer. Com o tempo, aquele “mato onde tinha tição” virou "Matição", forma carinhosa como o lugar é chamado até hoje.
Ritual em homenagem ao dia de São João Batista celebrado em 24 de junho na comunidade do Mato do Tição, em Jaboticatubas, região metropolitana de BH
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
A comunidade é formada por cerca de 35 famílias — quase todas descendentes dos antigos escravizados que receberam a terra do ex-senhor, o coronel Chico Alves, no fim do século XIX. Em 2006, o quilombo foi reconhecido oficialmente pela Fundação Cultural Palmares, mas a luta por titulação definitiva do território segue em curso desde 2004.
Hoje, os moradores ocupam apenas 3 hectares, num vale cortado pelo Córrego Chico Matias. Mesmo com o território reduzido, o sentimento de pertencimento permanece forte. As festas, as memórias dos mais velhos e as brincadeiras das crianças mantêm a história viva — como tições que ainda iluminam os caminhos do quilombo.
O Mato do Tição é um lugar onde catolicismo popular, tradições indígenas e heranças africanas se entrelaçam. As celebrações religiosas, como a Folia de Reis, dividem espaço com ritos do candombe, cantigas de roda, benzedeiras e rezas que atravessam gerações. As festas não são apenas eventos — são momentos de afirmação identitária e resistência.
Mesmo com o avanço da urbanização ao redor, a comunidade ainda cultiva hortas e pequenas roças. O cotidiano envolve não só trabalho, mas também alegria, música e muita fé. É uma “ilha sagrada nas cercanias do profano”, como descrevem os estudiosos.
A infância no quilombo foi tema de uma belíssima pesquisa da educadora Patrícia Maria de Souza Santana, que mergulhou no universo das crianças quilombolas para entender como elas constroem sua identidade e aprendem com o mundo ao seu redor.
No Matição, as crianças brincam de restaurante, salão de beleza, casinha, candombe e folia de reis. Circulam livremente pela comunidade, aprendem com os mais velhos, participam das festas, ajudam nas tarefas domésticas e constroem, desde cedo, o que significa “ser do quilombo”.
Segundo a pesquisa, ser criança ali é mais do que uma fase da vida: é um modo de viver a cultura e fortalecer os laços comunitários. Brincar, festejar e conviver são formas de aprender e de resistir.
Apesar da beleza de sua cultura, a comunidade enfrenta desafios estruturais: a ausência de escola no território, a precariedade no transporte público e episódios de preconceito racial — especialmente nas cidades vizinhas. Ainda assim, o orgulho de ser quilombola e a força da coletividade mantêm o Matição firme em sua caminhada.
O Quilombo Mato do Tição é símbolo de resistência, pertencimento e educação viva. Seus moradores, sobretudo as crianças, nos mostram que o conhecimento não está só nos livros — mas também nas rodas de conversa, nas festas, nas orações e nos gestos de cuidado.
Visitar ou conhecer a história do Matição é abrir os olhos para um Brasil profundo, diverso e ancestral. E mais: é um lembrete de que, mesmo com pouca terra, um povo com memória ocupa um território imenso no tempo.
CEDEFES. Mato do Tição. Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva. Disponível em: https://www.cedefes.org.br/projetos_realizados-54/. Acesso em abril de 2025.
SANTANA, Patrícia Maria de Souza. Modos de ser criança no Quilombo Mato do Tição – Jaboticatubas-MG. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, 2015.