Cânion Peixe Tolo Viagem
Cânion Peixe Tolo
25 de Novembro de 2022, saio com um esboço de uma viagem ao Espinhaço. Inicialmente, não tinha como ponto de partida a visita ao Cânion do Peixe Tolo, mas foi lá que tudo começou.
Ao chegar na controversa cidade de Conceição do Mato Dentro, percebo uma dualidade marcante. De um lado, a cidade busca construir uma reputação nacional como a capital do ecoturismo, uma vez que é extremamente rica em recursos naturais. Por outro lado, encontra-se a maior planta de mineração em atividade em Minas Gerais, quiçá até mesmo do Brasil. Além da agressão ambiental imensurável que ocorre nessa região, há ainda outro problema: um aqueduto de quase 600 km que atravessa o estado, desviando recursos hídricos, juntamente com diversas instalações de manipulação do minério.
Sigo em direção a Itacolomi, um pequeno distrito de Conceição do Mato Dentro. Logo no início, avisto grandes obras de infraestrutura financiadas pelo CEFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) repassado pela mineradora Anglo American ao município. Essas obras contrastam com o ambiente acolhedor das montanhas de Minas Gerais. Uma imensa avenida está sendo aberta na montanha, ao lado de diversas máquinas, enquanto um morador aparentemente nativo observa tudo isso em frente à sua casa. Parei e tentei conversar com ele, mas ele não demonstrou muito interesse em conversar. Percebi que talvez seja um reflexo dessa transformação na cidade.
Segui em frente, e logo todo aquele maquinário desapareceu, como se ali verdadeiramente começasse a capital do ecoturismo. Perdi-me diversas vezes nas sinuosas estradas, mas essa era minha intenção: perder-me para me encontrar cada vez mais. A paisagem era deslumbrante, com córregos, rios e montanhas intocadas que me distraíam. Avistei as placas indicativas do local e isso me animou. Após o encontro inicial com o nativo que não se mostrou muito receptivo, senti certo receio de pedir informações pelo caminho. Ao passar várias vezes por uma ponte onde uma equipe trabalhava, decidi parar e pedir ajuda. Prontamente fui auxiliado, recebendo todas as orientações necessárias sobre o caminho a seguir e possíveis lugares para me hospedar. Fiquei muito feliz e continuei minha jornada.
Logo adiante, perdi-me novamente e me deparei com uma enorme ponte em construção, assustando-me com a grandiosidade dessa obra no meio do nada. Para minha surpresa, um motociclista apareceu do nada. Agora lhe pergunto: quem era esse motociclista? Era um dos trabalhadores da construção que notou que eu poderia me perder e decidiu me acompanhar. Ele parou e conversou comigo, explicando que tinha me visto entrando pelo caminho errado e decidiu vir até mim para me guiar corretamente. Ele era realmente um ótimo conversador, um típico mineiro! Tive uma longa conversa com ele sobre o lindo lugar onde morava. Ele também estava muito feliz em compartilhar todos os detalhes de cada cantinho da região, aparentemente contente em receber um turista como eu. Ele me informou que a construção daquela ponte era uma demanda antiga da comunidade, uma solicitação que não havia sido atendida desde a sua criação, mas que agora, com a chegada da mineradora, eles estavam colhendo os frutos dessa conquista. Ele compartilhou seus sonhos para o futuro da região, mencionando a expectativa de um aumento significativo no turismo, pois viviam muito isolados e desejavam uma maior conexão com o mundo.
Em um município minerador, é necessário encontrar uma linha tênue entre a intervenção e a preservação. Nessa curta distância percorrida, pude testemunhar ambos os lados dessa situação. No início, senti uma profunda tristeza ao ver aquele nativo aparentemente desolado, julgando-o pela drástica mudança em sua rotina diária. Porém, logo adiante, presenciei a felicidade de outro suposto nativo ao ver todas aquelas transformações. Acredito que a vida seja assim, cheia de altos e baixos, nunca perfeita. Minhas concepções de mundo talvez não fiquem felizes com toda a agressão e mudança trazidas pela mineração, pois nenhum preço compensa ou é uma contrapartida justa para essa agressão. Por outro lado, há as melhorias que talvez nem em 5 ou 10 gerações de pessoas daquela região teriam. Todos nós deveríamos ter direito a uma qualidade de vida adequada, pois muitas vezes vemos povos isolados e imaginamos que são felizes por estarem ali, mas nem sempre acredito que seja o caso. Nada se compara à intervenção que o município faz naquela região, porém acredito que seja necessário intervir para garantir um mínimo de qualidade de vida para aquelas pessoas.
Estacionei meu carro no início da trilha, organizei meu equipamento e comecei a caminhar. Em todas as minhas viagens, em algum momento crucial, mas não logo no início, ocorre um momento de reflexão que ainda não consigo compreender totalmente. É quando penso: "O que estou fazendo aqui?". Pode parecer engraçado, mas é nesse momento que aumento minha concentração e, com certeza, chego ao meu destino. E foi exatamente nesse momento que avistei o cânion, com uma nuvem pairando bem no meio. É uma cena que acredito ser impossível de transcrever ou capturar em uma fotografia. Sentei, deixei minha mente divagar e comecei a trilha.
Continuei minha jornada pelas diversas sempre-vivas e pela vegetação típica do Espinhaço. Embora soubesse que o Espinhaço era imenso, no fundo eu estava acostumado a ver essa paisagem apenas na Serra do Cipó. Um pensamento me ocorreu e uma forte emoção tomou conta de mim: "Como é grandioso, como posso conhecer tantos lugares maravilhosos". Segui pelos cânions, concentrado, olhando para o chão, e de repente me deparei com um córrego de águas cristalinas. Parecia que o universo estava me favorecendo, pois com todas as novidades e contratempos ao longo da estrada, havia esquecido de beber água, e aquele foi o momento oportuno. Enchi minhas garrafas, refresquei-me e continuei a trilha.
Caminhei pelo leito do cânion por alguns quilômetros, apreciando paisagens magníficas e incríveis paredões ao longo do caminho. De repente, ouvi o som de uma cachoeira e avistei uma pequena queda d'água. Devido à época do ano, não havia muita água, mas acredito que ela seja uma bela cascata. Não havia um poço, a água escorria pelas pedras e desaguava pelo cânion. Ao observar o mapa, percebi que a cachoeira não possuía um nome oficial. Então, um nome surgiu em minha mente: "Lamurias de um Viajante". Refletia bem o momento que eu estava vivenciando. No entanto, reconheço que não é adequado nomear um local com base em um momento pessoal e particular, especialmente quando se trata de atrativos com uma longa história cultural. Tentei desfazer a nomeação posteriormente, mas não obtive sucesso.
Mais adiante, em um encontro de dois córregos, segui pela esquerda e encontrei diversos ofurôs naturais. Continuei explorando, mesmo sabendo que estava fora do caminho correto, mas foi uma oportunidade de conhecer um lugar novo. Ao retornar àquela intersecção, deparei-me com uma linda cachoeira, onde a água parecia flutuar no ar como um véu. Foi uma das paisagens mais impressionantes que já presenciei. Primeiramente, não esperava encontrar uma cachoeira naquele local, e a combinação da beleza da queda d'água com a paisagem ao redor era simplesmente magnífica. O Nome dela era cachoeira "Bocaina".
Comecei a caminhar mais rapidamente para chegar logo até ela, mas percebo agora que agi de forma imprudente. Naquele lugar remoto, uma simples picada de animal poderia ser fatal, e uma torção poderia tornar muito difícil sair dali sem ajuda. Cheguei à cachoeira rapidamente, deparei-me com um enorme poço, deixei minhas coisas de lado e pulei na água, nadando.
Após o delicioso banho de cachoeira, iniciei a segunda etapa da minha viagem: aprofundar-me nos labirintos dos meus sentimentos, mergulhar na introspecção e contemplar meus próprios atos. Era um encontro íntimo com minha essência. Armei minha barraca, peguei meu equipamento de aquecimento e deixei tudo preparado para a noite fria e gélida daquela região, onde a temperatura poderia chegar a 0 grau durante a madrugada, especialmente sobre as pedras. Organizei uma refeição, me alimentei e fui explorar os arredores da cachoeira. A neblina que era constantemente jogada pela cachoeira, guiada pelo vento, criava uma cena verdadeiramente indescritível. Como já estava ficando tarde, decidi testar o conforto da minha barraca para dormir naquele lugar.
Ao anoitecer, fiz uma refeição rápida e entrei na barraca. O único som que eu ouvia era o barulho da cachoeira. Para minha surpresa, não havia muito vento naquela noite, e a queda d'água permanecia em linha reta. Apreciei bastante a beleza da paisagem e fui dormir, ou melhor, tentei dormir. Meu maior medo não era uma tromba d'água ou algum animal selvagem me atacar, mas sim o medo de enfrentar a mim mesmo. Eu havia ido a esse lugar em busca de uma conexão e imersão em meu próprio ser. Acredito que, na correria do dia a dia, raramente paramos para essa introspecção, e é por isso que desconhecemos o que realmente existe em nosso âmago, o que pode ser assustador. Mesmo com toda essa reflexão, consegui acalmar minha mente e adormecer um pouco.
Ao acordar, percebi que minha barraca estava bastante molhada. Fiquei consciente de que precisava investir em uma barraca de melhor qualidade. Ao abrir a tela, deparei-me com um mar de nuvens, mal conseguindo enxergar a uma distância de dois metros. Era mais uma cena indescritível. Aproveitei aquele momento, preparei um café e aguardei o nascer do sol.
À medida que o sol surgia, pude contemplar novamente a bela cachoeira Bocaina. No entanto, dessa vez, eu estava revigorado. Não me sentia mais insignificante diante daquela imensidão, mas sim como uma parte integrante, um elo dentro daquela conjuntura natural. Apesar da suposta evolução do ser humano, acredito que, em essência, ainda somos seres com características de 10 mil anos atrás, pelo menos biologicamente. Hoje em dia, contamos com mais acessórios e utilizamos nosso córtex cerebral de forma mais desenvolvida, mas, no fundo, ainda somos animais. Tentar fugir de nossa essência e negar a nós mesmos é o mesmo que nos autodestruir.
Perdendo e nunca se encontrando,
Raiva e uma falsa felicidade,
Certezas ilusórias e infinitas dúvidas,
Conceitos vazios e preconceitos que se perpetuam.
Conectar-se? Para quê?
Concertar-se? Uma ilusão fugaz.
Complicamos tudo em vão,
Nossa mente busca problemas e criação de caos.
Pisar no freio apenas para estagnar,
Acelerar para um vazio sem fim,
Medo de perder o medo, uma ironia cruel,
Na roda gigante da vida, somos apenas marionetes em ruínas.
Fingimos que está tudo normal,
Enquanto nossos medos nos consomem,
Coragem é mera ilusão,
A existência é um vácuo incompreensível, sem razão.